sexta-feira, 27 de agosto de 2010

PARA REFLETIR E MUDAR (Antes Que Seja Tarde)
-

Leonardo Boff
-
-
Entre os muitos problemas atuais, três comparecem como os mais desafiadores: a grave crise social mundial, as mudanças climáticas e a insustentabilidade do sistema-Terra.
-
A crise social mundial deriva diretamente do modo de produção que ainda impera em todo o mundo, o capitalista. Sua dinâmica leva a uma exacerbada acumulação de riqueza em poucas mãos à custa de uma espantosa pilhagem da natureza e do empobrecimento das grandes maiorias dos povos. Ela é crescente e os gritos caninos dos famélicos e considerados “óleo queimado” não podem mas ser silenciados.
Este sistema deve ser denunciado como inumano, cruel, sem piedade e hostil à vida.  Ele tem uma tendência suicida e se não for superado historicamente, poderá levar o sistema-vida a um grande impasse e até o extermínio da espécie humana.
-

O segundo grave problema é constituido pelas mudanças climáticas que se revelam por eventos extremos: grandes frios de um lado e prolongadas estiagens de outro. Estas mudanças sinalizam um dado irreversível: a Terra perdeu seu equilíbrio e está buscando um ponto de estabilidade que se alcançará subindo sua temperatura. Até dois graus Celsius de aumento, o sistema-Terra é ainda administrável. Se não fizermos o suficiente e o clima atingir até 4 graus Celsius (conforme advertem sérios centros de pesquisa), então a vida assim como a conhecemos não será mais possível. Haverá uma paisagem sinistra: uma Terra devastada e coberta de cadáveres.
Nunca  a humanidade, como um todo, se confrontou com semelhante alternativa: ou mudar radicalmente ou aceitar a nossa destruição e a devastação da diversidade da vida. A Terra continuará, entregue às bactéria, mas sem nós.
Importa entender que o problema não é a Terra. É nossa relação agressiva e não cooperativa para com seus ritmos e dinâmicas. Talvez ao buscar um novo ponto de equilíbrio, ela se verá forçada a reduzir a biosfera, implicando na eliminação de muitos seres vivos, não excluindo seres humanos.
-
O terceiro problema é a insustentabilidade do sistema-Terra. Hoje sabemos empiricamente que a Terra é um superorganismo vivo que harmoniza com sutileza e inteligência todos os elementos necessários para a vida a fim de continuamente produzir ou reproduzir vidas e garantir tudo o que elas precisam para subsistir.
Ocorre que a excessiva exploração de seus recursos naturais, muitos renováveis e outros não, fez com que ela não conseguisse, com seus próprios mecanismos internos, se autoreproduzir e autoregular. A humanidade consome atualmente 30% mais do que aquilo que a Terra pode repor.  Desta forma ela não se torna mais sustentável. Há crescentes perdas de solos, de ar,  de águas, de florestas, de espécies vivas e da própria fertilidade humana. Quando estas perdas vão parar? E se não pararem qual será o nosso futuro?
-

-
Tudo isso nos obriga a uma mudança de paradigma civilizacional. Mudança de civilização implica fundamentalmente um novo começo, uma nova relação de sinergia e de mútua pertença entre a  Terra e a humanidade, a vivência de valores ligados ao capital espiritual como o cuidado, o respeito,  a colaboração, a solidariedade, a compaixão, a convivência pacífica e uma abertura às dimensões transcendentes que dizem respeito ao sentido terminal nosso e do universo inteiro.
Sem uma espiritualidade, vale dizer, sem uma nova experiência radicald o Ser e sem um mergulho na Fonte originária de todos os seres de onde nasce um novo horizonte de esperança, certamente não conseguiremos fazer uma travessia feliz.
-
Enfrentamos um problema: o velho ainda persiste e o novo custa a nascer, para usar uma expressão de Antonio Gramsci.
-
Vivemos tempos urgentes. São as urgências que nos fazem pensar e são os perigos que nos obrigam a criar arcas de Noé salvadoras. Estamos inconformados com a atual situação da Terra. Mesmo assim cremos que está ao nosso alcance construir um mundo do "bem viver" em harmonia com todos os seres e com as energias da natureza e principalmente em cooperação com todos os seres humanos e numa profunda reverência para com a Mãe Terra.
(Leonardo Boff - http://www.portaldomeioambiente.org.br)

Nenhum comentário: