sexta-feira, 19 de junho de 2009

BIG YOUTH (2ª e última parte)
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Agora, penso que os produtores conspiram para me apanharem. O único truque que resulta em música é ter a boa promoção no momento exato e não há mais problemas. O reggae é igual a qualquer outro tipo de música. É a mesma coisa que o jazz, com o mesmo feeling que o jazz. Às vezes, as palavras dizem mais respeito a determinados lugares, mas isso não impede outras pessoas e outros lugares de compreendê-las. A minha ligação a todas as coisas é a realidade. O deus de todas as relações é a realidade. Entendes?

- Que pensa dos outros músicos de reggae?

- Bem, penso que Jimmy Cliff é uma boa vedete de cinema. Mas pessoalmente não me sinto muito fascinado pelo seu gênero de reggae. Toosts? Tem um estilo de espirituais negros, uma coisa gênero africana, com invocações de espíritos e sobressaltos, sabe? Gosto imenso de ver Toots em atuação, mas... Eu gosto é de Roots Marley (literalmente, o Marley das origens). Eu creio em Roots Marley dez mil vezes. Estás a ver? Roots Marley merece todos os nomes com os quais o podemos qualificar. Não se trata de ser parcial já que ele também é Rasta, é porque ele diz a verdade, às pessoas. Vês? Fui eu que disse “natty dread” (o Dread rebelde) antes de Bob. Eles fazem como se tivesse sido Bob o primeiro a dizê-lo, mas na verdade fui eu. Sim Rasta! Eu gosto muito de Bob, mas adoro Big Youth!

- Porque é que lhe chamam o Gleaner humano?

- Bom, as minhas canções falam do respeito pelos direitos e pela verdade. Tento mostrar às pessoas que para viver em harmonia é necessário partilhar. Não há nenhuma diferença entre os homens. Com a nossa música, tentamos unir as pessoas de modo a que possam viver juntas. Acabaram-se as canções sobre raparigas.

- Como é que o reggae nasceu em Trench Town?

- Na Jamaica, no mundo, há raças e classes. Há pessoas que pensam que valem mais do que as outras, pensam que são as donas do mundo. Há aqueles que têm algum e há outros que não têm nada. Trench Town foi construída a partir de bairros de lata, sabia? Isso não significa que as pessoas que vêm de Trench Town não tenham educação. Elas são o grande povo da Jamaica. São pessoas obrigadas a enfrentar a realidade. Elas têm fome, elas sofrem. E é triste e inútil. Quero dizer, de que serve as pessoas caírem assim tão baixo? Alguns chegam ao ponto de nada terem, nem sequer para comer! Ras Clot! São essas pessoas que enfrentam a realidade. Há lugares como Jones Town, Rose Town e um outro, não muito longe daqui, que se chama Hose Town, que são na verdade lugares difíceis – um pouco como tribos, tribos de África; é de lá que vem o sentimento do reggae.

- Que se passa neste momento na Jamaica?

- Não só na Jamaica, meu velho, olhe a África. Olhe para o Vietnam. O que se passa aqui, é que há pessoas que não se podem permitir o luxo de enviar os seus filhos à escola. Isso torna alguns furiosos. Quando não se sabe ler, o estômago fica vazio e não conseguimos alcançar a paz de espírito, compreende? Não se pode viver sem se conspurcar (chupa os dentes violentamente). Ouça, Trench Town é igual ao que se passa em todo o mundo. A violência vem como as guerras tribais. Os jovens que já não podem suportar mais a inflação e a confusão matam-se uns aos outros. Dir-se-ia que é violência política, mas trata-se de outra coisa. O sistema de Trench Town amedronta as pessoas, mas agora elas começam a revoltar-se e a pensar nos seus direitos. É a profecia que se cumpre, compreende?

- Big Youth parece ser o chefe do culto motociclista de Kingston...

- Ah! Mas eu penso que a moto é perigosa! Um automóvel é perigoso mas uma moto ainda é mais perigosa. Só que na Jamaica nem todas as pessoas podem comprar carros e então as motos são preferidas (Big Youth enche cuidadosamente o seu chalice de ganja e um pouco de tabaco e exala uma grande nuvem, onde desaparece por um instante). O que é que eu estava a explicar-lhe?

- Falávamos de motos...

- Se alguém é Rasta e anda de moto, ninguém o leva a sério. É aí que intervém uma parte da minha revolução. O Dread que vê a verdade e os direitos, a realidade e a injustiça, é o cristão da época moderna. Ele é-o, antes de todas as religiões do mundo. Tudo o que os Rastas tentam fazer é contrariado pela Babilônia. A Babilônia é composta por pessoas más, ignorantes e doentes. Eu acho que devia ser livre mas se sou um Dread, não o posso ser! Esses Dreadlocks são as barras da minha prisão na Babilônia. Eles enviam pessoas para nos combater, policias doentes. O meu povo é a classe mais baixa e tudo o que quer é a verdade e o respeito dos direitos. Rasta sabe a verdade – os jovens são a geração que vê o Pai cara a cara. Esta geração não mais aceitará a lutar pelas suas idiotices. A Babilônia é uma sociedade construída sobre a escravatura e a segregação. O Papa Paulo VI é a cabeça da Babilônia, o símbolo do mal. Ele controla a Rainha e organiza a escravatura. Se eu o apanhasse, o Papa Paulo...

- Como vê o futuro do reggae?

- Bom o reggae está a tornar-se internacional. Se as pessoas bem colocadas se derem ao trabalho de ouvi-lo, o reggae tornar-se-á na nova música, não acha? Foi preciso bastante tempo até as pessoas compreenderem John Coltrane. A mesma coisa se passa com o reggae, compreende? Pode ser que lá cheguemos, desde que a promoção seja bem feita. Eu, Big Youth, estou pronto a fazer tournées e mostrar às pessoas o que sei fazer. Acho que a América está à espera disso mesmo. Quando o dia chegar, Big Youth fará explodir a América!...


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