sexta-feira, 13 de março de 2009

Bob Marley, momentos depois do
atentado, com a roupa cheia de sangue
e o braço atravessado por uma bala.

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O DIA EM QUE TENTARAM MATAR BOB MARLEY -
4ª (e última) Parte

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As ambulâncias chegaram e levaram os feridos para o Hospital da Universidade, uma vez que Marley morava em sua jurisdição. Michael Manley estava à entrada do hospital, à espera dos carros. Taylor e Griffth foram colocados na lista dos que estavam em estado crítico. Rita foi submetida a cirurgia para remover a bala alojada em seu couro cabeludo; Bob foi medicado e, após uma breve conferência com Manley, foi leberado.

Jeff Walker, chefe de relações com a imprensa, da Island Records, era um dos poucos que conheciam o paradeiro de Marley. Na noite seguinte ao tiroteio Jeff foi ter com Bob e seus irmãos nas montanhas, para conversar com ele. Durante a conversa, vários rastas veteranos presentes observaram respeitosamente que se os pistoleiros tinham tentado impedir o show, tinham conseguido o que queriam, a não ser que Bob tocasse na noite seguinte. Após muitas horas de ponderação a questão da apresentação dos Wailers no festival Sorri Jamaica ficou no ar.

O ambiente no esconderijo melhorou um pouco na manhã de domingo quando se veio a saber que o estado de Don Taylor melhorara, embora se planejasse mandá-lo de avião ao Hospital Cedros do Líbano, de Miami, para remoção da bala alojada junto à sua coluna vertebral. Caso surgissem complicações durante aquela delicada operação, Taylor talvez ficasse paralítico.

Outro ponto que causava apreensão era o fato de que nenhum dos pistoleiros tinha sido ainda preso. Um dos carros utilizados na fuga tinha sido encontrado abandonado em Trench Town, mas a polícia anunciou que a identidade dos seus passageiros era ignorada.

Com o correr do dia, falou-se cada vez menos do festival, mas no campo mantinha-se a par do que estava acontecendo no National Heros Cicle. Rita foi liberada do hospital e chegou ao acampamento na companhia das crianças. A cantora Roberta Flack que viera de avião à Jamaica para assistir ao show, chegou horas depois, à tarde, conduzida por amigos íntimos de Bob; a conversa particular que ela teve com ele contribuiu muito para levantar-lhe o moral. Uma das equipes de filmagem do show conseguiu também chegar ao campo, sem as câmeras.

Os rastas não tinham a menor idéia disso, mas o cameraman era Carl Colby, filho de William Colby, diretor da CIA.

Ao anoitecer, dois músicos manejavam seu walkie-talkies no local do concerto no fim da tarde. Ibo e Cat, organista e primeiro guitarrista, respectivamente, da Third World Band, que deveria dar início ao show na ausência de Bunny Wailer, Peter Tosh e Burning Spear, nenhum dos quais tinha comparecido até então. Apesar de serem mínimas as chances de que os Wailers aparecessem, mais de 50.000 pessoas apinhavam-se no local.

Ibo e Cat falaram com Bob pelo walkie-talkie, dizendo-lhe que tinham decidido fazer o show. Bob pôde ouvir a reação do público à apresentação do conjunto Third World e, em seguida, a uma calorosa homenagem à sua pessoa e aos Wailers, que a apresentadora fez perante a multidão.

Bob pediu que alguém fosse mandado a Hope Road apanhar os membros do conjunto. Don Kinsey, Tyrone Downey e Carly Barrett foram localizados e levados ao local do show, onde falaram com Bob pelo walkie-talkie. Não havia meios de localizar a Família Man, de sorte que Cat propôs substituí-lo no baixo.

Enquanto Marley ainda hesitava, o ministro Tony Spaulding, do governo liderado pelo PNP, chegou e procurou levantar-lhe o ânimo. Finalmente Bob convenceu-se e, na companhia de seus guarda-costas, foi levado num Volvo vermelho que estava à sua espera do lado de um carro da polícia, já de motor ligado. Enquanto o desfile improvisado descia a estreita estrada das montanhas, Jeff Walker, que vinha num carro atrás do de Marley, informou ao contingente no local do show que os Wailers estavam a caminho. A notícia, que Jeff transmitiu pelo walkie-talkie, foi passada à multidão pelos alto-falantes, e os gritos de exultação puderam ser ouvidos pelo receptor de Jeff.

Percorrendo velozmente as ruas do centro da cidade, os carros passaram por um comício do JLP que começava a dispersar-se. Ao verem Marley, as pessoas que se enfileiravam ao longo da rua começaram a gritar vivas. A platéia no local do festival, inteiramente policiado, havia aumentado para 80.000 pessoas, mas o Volvo não teve dificuldades de aproximar-se do palco. Ao sair do carro, Marley foi saudado ao microfone por Michael Manley, que o abraçou emocionado e, em seguida, manteve-se à parte, onde ficou durante todo o show, encarapitado em cima de um furgão inteiramente exposto, como Marley, a qualquer pistoleiro.

Sacudindo no ar as tranças, satisfeito, Bob fez uma tímida saudação ao mar de rostos à sua frente:

“Quando decidimos fazer este concerto de hoje à noite, há alguns meses, disseram-me que não haveria política. Eu só queria tocar por amor ao povo”.

Não podendo tocar sua guitarra Gibson, devido ao ferimento do braço, Marley murmurou que cantaria “uma canção”. Mas o show transformou-se num tour de force de noventa minutos de duração.

Para tornar o show ainda mais eletrizante, Rita Marley compareceu, vestida num roupão e um leve casaco por cima, além de lenço para esconder as ataduras da cabeça – a decisão de comparecer tinha sido tão apressada que ela não tivera tempo de vestir-se. Ao fim do show, Bob deu início a uma dança ritual, reproduzindo simbolicamente trechos da emboscada que quase lhe custara a vida.

A última coisa que a platéia viu antes que o Rei do Reggae desaparecesse para retornar às montanhas foi a imagem do homem que imitava um caubói, sacando os dois revólveres, as tranças atiradas para trás, num riso triunfante.

Em abril de 1981, Bob Marley foi condecorado com a Ordem do Mérito da Jamaica, uma das maiores honras nacionais, em reconhecimento por sua contribuição à cultura local. Um mês depois, morria de câncer do cérebro, do fígado e dos pulmões. Seu corpo foi exposto num esquife de bronze, no National Heros Arena, em Kingston. Seu rosto magro, cor de cera, estava bem barbeado; suas tranças, que haviam caído durante o tratamento radioativo, tinham sido costuradas numa peruca e recolocadas no lugar. Uma das mãos segurava uma Bíblia, aberta no Salmo 23; a outra jazia sobre sua surrada guitarra elétrica Gibson.

Em seu funeral, presidido por Sua Eminência Abouna Yeshaq, arcebispo da Igreja Ortodoxa da Etiópia, o governador-geral da Jamaica, Florizel Glasspole, leu passagens das escrituras, no que foi seguido pelo líder do partido da oposição, sua Excelência Edward Seaga fez o elogio de Sua Excelência Robert Nesta Marley, detentor da medalha da Ordem do Mérito.

Os Wailers tocaram algumas das composições de Marley, acompanhados pelas I-Thees. O Melody Makers, grupo composto por quatro dos filhos de Bob e Rita Marley (embora Marley tivesse um total de dez filhos legalmente reconhecidos, concebidos por diversas mulheres, alguns parentes calculam que ele foi pai de umas vinte e duas), também cantou em sua homenagem. E a mãe de Bob, Cedella, cantou uma das últimas canções que ele compôs: Coming In From The Cold.

O esquife foi colocado sobre um caminhão e levado ao longo de 130 quilômetros para sua paróquia natal de St. Ann, nas montanhas (a Jamaica tem cerca de 14 paróquias), onde os rastas haviam cavado na rocha viva o seu sepulcro. (Fonte: Livro "Bob Marley por ele mesmo", da Martin Claret Editores Ltda.)

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