terça-feira, 21 de outubro de 2008

REGGAE, MÚSICA E CULTURA DA JAMAICA - 2ª Parte



Bunny, Marley e Tosh
“Desde o seu início, os Wailers foram o melhor trio vocal do reggae. A voz de Marley tinha possibilidades enormes, evocando ao mesmo tempo, nostalgia sentimental e raiva amarga, muitas vezes na mesma canção. As harmonias agudas de Bunny eram etéreas e angélicas, ao passo que a voz de Tosh exprimia uma moralidade profunda. Os antigos Wailers tinham uma autoridade moral no seu som e estilo. Eles foram o primeiro dos grandes grupos jamaicanos e adaptarem-se à vida sóbria, às múltiplas privações, eram Rastas e incorporavam elementos do tambor Rasta na sua música, antes de isso se tornar comum nos grupos de reggae.
Depois de gravarem com Lee Perry, atravessaram outro dos períodos obscuros que abundam na sua carreira. Marley, que como quase todos os cantores de reggae cantaria qualquer coisa desde que lhes pagassem, assina um contrato de composição e publicação com Johnny Nash, que decidira utilizar o reggae como veículo do seu renascimento criativo. Nash embarca com Marley para a Suécia onde ficariam meses, com o propósito de trabalharem nalgumas canções. Mais tarde, Nash gravou Stir It Up e Guava Jelly de Marley, tendo alcançado relativo sucesso. Ironicamente, Nash seria o primeiro a popularizar o reggae, gravando I Can See Clearly Now, que foi um êxito em todo o mundo, em 1971.
Em 1972, os Wailers receberam o bilhete para o sucesso comercial na Babilônia, ao assinarem um contrato de gravação com Chris Blackwell, o filho duma rica família de plantadores que conseguira materializar o seu amor pela música da sua terra natal montando uma pequena e independente companhia discográfica em ascensão, chamada Island Records. A estratégia de Blackwell consistiu em promover o gênio natural dos Wailers, como sendo a mais nova e mais poderosa força musical do mundo rock.


Johnny Nash, Chris Blackwell e Wire Lindo
Depois de ter encontrado os Wailers em Londres, Blackwell deu-lhes dinheiro para regressarem a Kingston, alugaram um estúdio e gravaram algumas canções. Este sistema de confiança era inacreditável e novo na indústria artesanal do reggae, onde a avareza e a ambição dos produtores locais eram um escândalo nacional.
Em Kingston, os Wailers gravaram os ritmos e vocais do álbum que mais tarde se chamaria Catch a Fire. Marley levou as bandas a Londres, onde ele e Blackwell supervisionaram o acréscimo de linhas de guitarra fluídas, executadas por músicos de estúdios ingleses, misturando depois as canções de maneira a que as sonoridades graves e pesadas se adaptassem aos ouvidos dos jovens americanos e ingleses, habituados às misturas do rock. Com meios financeiros e tecnológicos superiores ao habitual, Marley pôs-se a recriar para o seu álbum na Island a maior parte das sublimes mas rudes canções gravadas anteriormente com Lee Perry, e este disco é uma acusação sincera mas brutal da escravatura e do colonialismo. As partes de órgão, verdadeiramente de arrepiar, sobretudo na faixa Concrete Jungle, são quase góticas, pelo seu sentido do drama e do medo. Uma versão de 400 Years, de Tosh, prosseguiu a exploração do tema da escravatura, seguida de admoestações proféticas de Marley, em Slave Driver:


Guarda de escravos
Virou-se o feitiço contra o feiticeiro
Que o fogo se acenda
Para te queimar


O disco termina com o incrível Midnight Ravers, uma visão ao modo de Burroughs do terror vingativo dos gangs. É impossível ouvir esta música sem tremer.

Burnin' e Catch a Fire

Pouco depois da saída de Burning, o segundo álbum dos Wailers (entretanto Wire Lindo tinha entrado para as teclas), Eric Clapton gravou I Shot The Sheriff, de Marley, que foi número um em todos os tops do mundo. Esta canção chamava-se originalmente I Shot The Police, mas o título foi mudado para evitar problemas a Marley na Jamaica. Um rumor que corria em 1976 dizia que Marley tinha vendido os direitos da canção a Johnny Nash não tendo portanto recebido um tostão do êxito de Clapton. Seja como for, começou a dar-se atenção às mensagens contidas nas obscuras profecias de Marley, atenção essa que às vezes não era o suficiente. Assim, uma canção como Burnin’ and Lootin’ foi tomada no seu sentido literal em vez de metafórico, que era afinal a intenção do autor. A letra refere-se a pilhar e queimar as nossas ilusões esta noite. Marley apóia-se no para-brisas, tira outra, passa e explica que não é violento, nem queria falar de pilhagem e incêndios neste bairro chique de Hope Road; ele que mora a dois passos da residência oficial do Primeiro-Ministro, Michael Manley: a Jamaica House.
Blackwell e a Island fizeram uma grande campanha publicitária aos Wailers e financiaram as suas tournées pelos pequenos clubes ingleses e americanos. Quando tocavam nos sítios fortes do reggae nos Estados Unidos (New York, Boston, Cleveland, San Francisco), eles hospedavam-se em quartos de motel equipados com cozinha de modo a que “Family Man” pudesse preparar sopa de pimentões e arroz de feijão para o grupo. As comunidades jamaicanas locais forneciam-lhes a erva. Estes concertos, na sua grande maioria, eram realizados em caves e clubes de jazz. Eram como que uma iniciação ao transe, Marley dançando e cantando coberto de suor, os dreadlocks cadenciando o seu discurso hipnótico, ao som da música dos irmãos Barret. As pessoas começavam a chamar a Marley o melhor poeta de rua depois de Bob Dylan."

Eric Clapton, Michael Manley e Bob Dylan

Ouçam as músicas (que estão de amarelo no texto) acessando os links:
http://rapidshare.com/files/156242678/04_Johnny_Nash_-_Stir_It_Up.rar.html

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